terça-feira, 7 de julho de 2009

ICK em Revista Nº 20 - junho/2009

ICK em Revista Nº 20


Nº 20 - junho/2009


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Índice

Nota Editorial

Novas

Novos Livros

Novos DVDs

Seleção

Artigo

Nota Editorial

O semestre que agora termina foi de grande atividade para a ICK, notadamente pelo número recorde de DVDs que produzimos e também pelos novos livros publicados, estes embora tenham sido iniciativas da respectivas editoras, há que se destacar o trabalho de bastidores que vimos fazendo no sentido de tornar mais fluido o processo de autorização de publicação por parte das Fundações.

A apatia com que o mercado editorial brasileiro vinha tratando o trabalho de Krishnamurti pode ter levado muita gente a pensar que os seus ensinamentos não mais encontravam terreno fértil no Brasil, entretanto as novas publicações de editoras como a Cultrix e a Nova Era, notadamente esta última, que têm encontrado grande receptividade por parte do público, no faz ver que a chama de Krishnamurti ainda ficará acesa por muito tempo.

Nesta edição trazemos alguns trechos de profunda reflexão que foram publicados em livros infelizmente já esgotados para demonstrar a riqueza do material que espera por reedição. Veja a seção Seleção.

Os DVDs têm recebido bastante atenção por parte da ICK, já estando disponível no nosso site a Série Educacional Vol. I, à qual logo se seguirão novos títulos que já se encontram traduzidos e legendados e em breve integrarão o nosso catálogo. Ressalte-se aqui que a ICK é a única instituição brasileira autorizada a distribuir os DVDs, que são protegidos por copyright internacional, cujos correspondentes royalties são pagos por nós à KFT- Krishnamurti Foundation Trust, detentora dos direitos autorais.

Este mês deu-se a renovação dos quadros administrativo e fiscal da nossa Instituição, que mantém-se funcionando por impressionantes 74 anos, coisa rara em associações desse tipo. Seria de grande valia se mais pessoas realmente interessadas na divulgação dos ensinamentos de Krishnamurti se unissem a nós para ajudar a tocar o dia-a-dia da ICK, que é totalmente gerida por trabalho voluntário sem nenhum tipo de remuneração.

Novas

Novos Livros

Krishnamurti Para Principiantes

A editora Cultrix acaba de lançar o livro Krishnamurti para Principiantes, uma antologia dos ensinamentos orientada para aqueles que estão tomando contato com eles pela primeira vez.

A tradução do livro ficou a cargo do nosso colaborador de São Paulo, Calo Corabi.

Sinopse da Editora:

Krishnamurti para Principiantes é uma introdução aos ensinamentos de J. Krishnamurti, destinada principalmente aos leitores não familiarizados com a sua obra. Os problemas da vida diária que confrontam todo ser humano e a sua original abordagem a eles constituem a base da seleção dos textos.

Krishnamurti sustenta que a verdade está além das construções da mente humana, além do "conhecido, formulado ou imaginado", e que na busca pela verdade "o primeiro passo é o último". No sentido em que novos começos possuem um significado especial para Krishnamurti, todos somos principiantes na jornada da vida. E, nesse sentido, este livro é destinado a todos.

Pense Nisso

A editora Nova Era, por sua vez, lançou o livro Pense Nisso, um interessante apanhado de perguntas e respostas retiradas de encontros com estudantes, pais e professores indianos.

Neste livro a contibuição da ICK também se fez presente na pessoa do seu colaborador Pedro Henrique Penna Firme, a quem coube a revisão técnica.

Sinopse da Editora:

Um dos maiores mestres espirituais de nossa era, Jiddu Krishnamurti estendeu uma ponte entre ciência e religião e criou fundações e escolas visando uma educação que enfatizasse a compreensão da mente e do coração. Em Pense nisso, o autor reúne trechos de palestras a estudantes e professores de escolas indianas. Abordando temas que vão da religião ao amor, Krishnamurti instiga a plateia a encontrar respostas para algumas das principais questões da humanidade.

Novos DVDs

Série Educacional Vol. I

Diálogos com estudantes

A Série Educacional Vol. I se constitui de cinco diálogos com estudantes. O primeiro deles deu-se em Brockwood, Inglaterra, em 1983, os dois seguintes aconteceram em Rihi Valley, Índia, em 1984, e os dois últimos também em Rishi Valley, em 1985. Os dois diálogos de Rishi Valley 1984 já haviam sido publicados pela ICK sob os títulos “O cérebro está sempre gravando" e "Não importa se você morrer por isso".

Nesta série de diálogos, muitas das perguntas e comentários dos estudantes são revigorosamente diretas e francas. Há um tremendo sentimento de afeição enquanto Krishnamurti explora suas perguntas de maneira relacionada com as próprias vidas das crianças.

Eles falam sobre inteligência, segurança, meditação e concentração, o valor da educação e aprendizado, e até sobre Deus. Embora negando ser o professor, Krishnamurti mostra a qualidade do verdadeiro ensinar – o relacionamento entre o educador e o estudante. Frequentemente, ao final da discussão, ele convida os estudantes a sentar-se com ele, em silêncio por alguns minutos.

Nova Comissão Executiva e Conselho Fiscal


Os associados da ICK reunidos em Assembléia Geral Ordinária, em 29/06/2009, aprovaram as contas da administração que se encerrava e elegeram os novos membros da Comissão Executiva e do Conselho Fiscal para o mandato 01/07/2009 a 30/06/2011.

COMISSÃO EXECUTIVA

Onofre A. Máximo Filho
Ivan Cunha Mourão
José Roberto F. Moreira

CONSELHO FISCAL

Carlo A. Corabi Adell (tilular)
Laerte José Magananimi (suplente)

Fernando José Calheiros (titular)
Antonio Maria L. Ribeiro (suplente)

Aos eleitos, nossos votos de sucesso na administração da ICK.

Seleção

Excertos de livros selecionados.

A Luz Que Não Se Apaga

(The Urgency of Change, 1970 - ICK, 1973 - esgotado)

Interrogante: Creio ter compreendido, real e não verbalmente, o que ontem dissestes. Há o percebimento da árvore, a reação condicionada à árvore, e essa reação condicionada é conflito, ação da memória e das experiências passadas, é agrado e desagrado, é preconceito. Compreendo também que essa reação do preconceito é a origem do que chamamos "eu" ou "censor". Vejo claramente que o "ego", o "eu", existe em todas as relações. Mas, existe um "eu" fora das relações?

Krishnamurti: Já vimos o quanto são condicionadas as nossas reações. Se se pergunta se existe um "eu" fora das relações, tal pergunta será puramente especulativa, enquanto não se estiver livre daquelas reações condicionadas. Percebeis? Assim, a primeira questão não é se existe, ou não, um "eu" fora das reações condicionadas, porém, sim, se a mente, que inclui todos os nossos sentimentos, pode libertar-se desse condicionamento, que é o passado. O passado é o "eu". Não há "eu" no presente. Enquanto a mente funciona no passado, existe "eu" e a mente é esse passado, é esse "eu". Não se pode dizer "isto é a mente" e "isto é o passado", seja o passado de alguns dias, seja o de há dez mil anos. Portanto, perguntamos: Pode a mente libertar-se do ontem? Ora, há várias coisas implicadas nesta questão, não é verdade? Primeiro, o percebimento superficial; depois, o percebimento da reação condicionada; em seguida, o percebimento de que a mente é o passado, de que a mente é aquela reação condicionada; e, por fim, a questão de se a mente pode libertar-se do passado. Tudo isso constitui um ato unitário de percebimento, porque nele não há conclusões. Ao dizermos que a mente é o passado, esse percebimento não é uma conclusão verbal, porém um percebimento real do fato. Os franceses têm uma palavra para o percebimento de um fato: constatation. Ao perguntarmos se a mente pode libertar-se do passado, esta pergunta é feita pelo censor, o "eu", que é o próprio passado?

Interrogante: Pode a mente libertar-se do passado?

Krishnamurti: Quem está fazendo essa pergunta? A entidade resultante de inúmeros conflitos, memórias e experiências - é essa entidade que está fazendo a pergunta, ou a pergunta vem por si, por efeito da percepção do fato? Se é o observador quem faz a pergunta, neste caso ele está tentando fugir do fato, ou seja de si próprio, porque, diz ele, há tanto tempo vivo em sofrimento, tribulação, tristeza, que gostaria de sair desta luta constante. Se faz a pergunta por efeito desse "motivo", a "resposta" será a de buscar um certo refúgio. Ou fugimos a um fato, ou o enfrentamos. A palavra e o símbolo representam fuga a ele. Com efeito, o simples enunciar de tal pergunta já é um ato de fuga, não? Tratemos de perceber se essa pergunta é, ou não, um ato de fuga. Se é, ela é barulho. Se não há observador, há então silêncio - a negação completa de todo o passado.

Interrogante: Aqui, fico desorientado. Como posso apagar o passado em poucos segundos?

Krishnamurti: Tenhamos em mente que estamos tratando do percebimento. Estamos conversando sobre a questão do percebimento. Existe a árvore e a "reação condicionada" à árvore, reação que é o "eu" em relação, o "eu" que constitui o centro mesmo do conflito. Pois bem; é esse "eu" quem está fazendo a pergunta? - esse "eu" que, conforme dissemos, é a estrutura mesma do passado? Se a pergunta não vem da estrutura do passado, se não é feita pelo "eu", não há então nenhuma estrutura do passado. Quando a estrutura faz a pergunta, está operando em relação ao fato - que é ela própria - está com medo de si própria e atua com o fim de fugir de si própria. Quando não é a estrutura quem faz a pergunta, não está atuando em relação a si própria. Recapitulando: Existe a árvore, existe a palavra, a reação à árvore, ou seja o "censor" ou "eu", vindo do passado; e, a seguir, faz-se a pergunta: Posso livrar-me de toda esta agitação e agonia? Se é o "eu" quem faz essa pergunta, está perpetuando a si próprio. Pois bem; percebendo isso, ele não faz a pergunta! Percebendo-se isso e todas as suas conseqüências, tal pergunta não pode ser feita. O "eu" não a faz, porque percebe a armadilha. Estais vendo agora que esse percebimento é todo superficial? É idêntico ao percebimento que vê a árvore.

Interrogante: Existe outra espécie de percebimento? Existe outra dimensão do percebimento?

Krishnamurti: Mais uma vez, sejamos cautelosos, vejamos com toda a clareza se não estamos fazendo esta pergunta com algum "motivo". Se há motivo, estamos novamente na armadilha da reação condicionada. Quando o observador está em silêncio, mas não foi posto em silêncio, está então a despontar um percebimento de diferente natureza.

Interrogante: Que ação seria possível, em quaisquer circunstâncias, sem o observador; que pergunta ou que ação?

Krishnamurti: Mais uma vez, estais fazendo a pergunta deste lado do rio ou vem ela da outra margem? Se vos achais na outra margem, não fareis tal pergunta; se vos achais na outra margem, vossa ação provirá daquela margem. Trata-se, pois, de um percebimento desta margem, com sua estrutura, sua natureza e suas armadilhas, e procurar fugir da armadilha é cair noutra armadilha. Que coisa monótona! O percebimento nos mostrou a natureza da armadilha e, por conseguinte, há a negação de todas as armadilhas; a mente, portanto, está agora vazia. Vazia do "eu" e da armadilha. Essa mente tem uma natureza diferente, uma diferente dimensão de percebimento. Esse percebimento não está cônscio de "estar cônscio".

Interrogante: Deus meu! Isso é difícil demais. Estais dizendo coisas que parecem verdadeiras, que soam como verdadeiras, mas ainda não as alcancei. Podeis dizê-lo de outra maneira? Podeis puxar-me para fora de minha armadilha?

Krishnamurti: Ninguém pode puxar-vos para fora da armadilha - nenhum guru, nenhuma droga, nenhum mantra, pessoa alguma, inclusive eu próprio - principalmente eu próprio. O que vos cumpre fazer é apenas manter-vos cônscio do começo ao fim, não vos tornardes desatento no meio do caminho. Essa nova qualidade de percebimento é a atenção, e nessa atenção não existe nenhuma barreira levantada pelo "eu". Essa atenção é a mais elevada forma da virtude e, por conseguinte, é amor. É a inteligência suprema, e não pode haver atenção, se não fordes sensível à estrutura e natureza dessas armadilhas construídas pelo homem.

***

Interrogante: Tive o hábito de tomar drogas, mas dele já me libertei. Por que tenho tanto medo de tudo? De manhã, desperto paralisado de terror. Mal posso erguer-me do leito; tenho medo de sair de casa e tenho medo de ficar em casa. Subitamente, quando estou a dirigir o meu carro, esse medo se apodera de mim; passo o resto do dia a suar, nervoso, apreensivo e à noite estou completamente exausto. Por vezes, embora isso muito raramente aconteça, quando em companhia de amigos íntimos ou em casa de meus pais, perco este medo; sinto-me então tranqüilo, feliz, livre de toda tensão. Quando vinha hoje para cá, senti medo de ver-vos, mas, enquanto percorria o drive(1) e ao dirigir-me à porta, perdi repentinamente o medo, e agora, sentado aqui, nesta sala aprazível e tranqüila, sinto-me tão feliz que nem sei de que é que estava com tanto medo. Não sinto mais medo nenhum. Posso sorrir e dizer sinceramente: Folgo muito em ver-vos! Mas, não posso permanecer aqui para sempre e sei que, quando me for embora, de novo me envolverá a nuvem do medo. Eis o problema que estou enfrentando. Já consultei não sei quantos analistas e psiquiatras, aqui e no estrangeiro, mas o que eles fazem é só exumar memórias de minha infância; disso estou farto, porque o medo não desapareceu, absolutamente.

Krishnamurti: Deixemos de parte as memórias da infância e outras futilidades, e vamos ao presente. Aqui estais, e dizeis que já não sentis medo; por ora, vos sentis feliz e mal podeis imaginar aquele medo que estivestes sentindo. Por que não o sentis agora? Esta sala tranqüila, clara, bem proporcionada, mobiliada com gosto, e o serdes recebido amistosamente - é por isso que não tendes medo agora?

Interrogante: Em parte. Talvez seja também por causa de vossa pessoa. Já vos ouvi na Suíça, e já vos ouvi aqui, e sinto por vós uma certa e profunda amizade. Mas, não quero depender de casas bonitas, de atmosferas acolhedoras e de bons amigos, para não sentir medo. Ao visitar meus pais, tenho este mesmo sentimento confortante. Mas, em casa é terrível; todas as famílias são terríveis, com suas atividades insignificantes e isoladas, suas brigas, suas banalidades e hipocrisia. De tudo isso estou farto. Todavia, quando visito os meus e há uma certa cordialidade, sinto-me, deveras, temporariamente livre deste medo. Os psiquiatras não podem explicar-me a razão dele. Chamam-no um "medo flutuante". Ele é como um abismo tenebroso e sem fundo. Já gastei grandes somas de dinheiro e de tempo com análises que, em verdade, não serviram para nada. Que devo fazer?

Krishnamurti: Será que, sendo uma pessoa sensível, necessitais de um certo abrigo, uma certa segurança e, não conseguindo encontrá-la, sentis medo deste mundo brutal? Sois sensível?

Interrogante: Sim, creio que sim. Talvez não o seja na vossa maneira de entender, mas sou sensível. Não gosto do barulho, da agitação, da vulgaridade desta existência moderna, da maneira como o sexo é posto em evidência hoje em dia, em toda parte aonde vamos, e da competição para obter-se um emprego detestável e insignificante - o que não significa que eu seja incapaz de lutar para conquistar um lugar para mim também, mas essa luta me põe doente de medo.

Krishnamurti: A maioria das pessoas sensíveis têm necessidade de um refúgio tranqüilo, de uma atmosfera cordial, amigável. Ou eles a criam para si próprios ou ficam dependendo de outros que lha podem dar - da família, da esposa, do marido, do amigo. Tendes algum amigo desses?

Interrogante: Não. Tenho medo de ter um amigo desses. Tenho medo de ficar dependendo dele.

Krishnamurti: Eis, pois, a questão: Uma pessoa é sensível, necessita de um certo abrigo, e depende de outros para o obter. Sensibilidade e dependência são duas coisas que, muitas vezes, andam juntas. E depender de outra pessoa é ter medo de a perder. Fica-se, assim, dependendo mais e mais, e o medo cresce proporcionalmente à dependência. Um círculo vicioso. Já investigastes porque dependeis? Nós dependemos do carteiro, do conforto físico, etc.; isto é bem simples. Dependemos de pessoas e coisas para nosso bem estar físico e nossa sobrevivência, isto é perfeitamente natural e normal. Temos de depender disso que se pode chamar "o lado orgânico da sociedade". Mas, dependemos também psicologicamente e essa dependência, embora confortante, gera medo. Porque dependemos psicologicamente?

Interrogante: Estais agora a falar-me de dependência, mas eu vim para conversarmos sobre o medo.

Krishnamurti: Examinemos ambas as coisas, porque, como veremos, elas estão relacionadas uma com a outra. Objetais a que tratemos de ambas? Estávamos falando de dependência - que é dependência? Porque dependemos psicologicamente de outra pessoa? A dependência não é a negação da liberdade? Tirem-se-lhe a casa, o marido, os filhos, as posses - que é um ente humano, se tudo isso lhe é retirado? Em si próprio, ele é insuficiente, vazio, sem rumo. Assim, por causa desse vazio, de que tem medo, ele depende de posses, pessoas e crenças. Podeis sentir-vos tão seguro das coisas de que dependeis que não possais imaginar a possibilidade de perdê-las - o amor de vossos filhos, e o conforto que ele proporciona. Todavia, o medo continua existente. Portanto, deve ficar-nos bem claro que qualquer forma de dependência psicológica gera inevitavelmente medo, ainda que as coisas de que dependemos possam parecer-nos quase indestrutíveis. O medo se origina dessa insuficiência interior, dessa pobreza e vazio interiores. Assim, estais vendo que temos agora três questões: a sensibilidade, a dependência e o medo? Três coisas relacionadas entre si. Consideremos a sensibilidade: Quanto mais sensível a pessoa (a menos que saiba ser sensível sem dependência, saiba ser vulnerável, sem angústia), tanto mais depende. Agora, a dependência: Quanto mais a pessoa depende, tanto maior o seu desprazer e a necessidade de libertar-se. Essa necessidade de liberdade dá mais força ao medo, porque é uma reação, e não libertação da dependência.

Interrogante: E vós - dependeis de alguma coisa?

Krishnamurti: Decerto, fisicamente dependo de alimentação, roupas e morada, mas, psicologicamente, interiormente, não dependo de coisa alguma - nem de deuses, nem da moralidade social, nem de crenças, nem de pessoas. Mas, não é relevante saber se eu sou ou não sou dependente. Portanto, continuemos. O medo é o percebimento de nosso vazio, de nossa solidão e pobreza interiores, e de não haver possibilidade de fazermos alguma coisa a tal respeito. O que nos interessa aqui é só esse medo que gera a dependência e, por sua vez, é aumentado pela dependência. Se compreendemos o medo, compreendemos também a dependência. Portanto, para compreendermos o medo, é indispensável a sensibilidade, para descobrirmos, percebermos como ele se origina. Se o indivíduo é suficientemente sensível, torna-se cônscio de sua medonha vacuidade - desse abismo sem fundo que não se pode encher com o vulgar entretenimento das drogas, nem com o entretenimento das igrejas ou das diversões sociais; nada o preencherá. Sabendo-se disso, cresce o medo. Este nos impele à dependência, e esta dependência torna-nos cada vez mais insensíveis. E, vendo que assim é realmente, sentimos medo. A questão, pois, agora, é de ultrapassarmos esse vazio, essa solidão, e não de aprendermos a depender de nós mesmos, ou de disfarçarmos permanentemente o nosso vazio.

Interrogante: Por que dizeis que a questão não é de dependermos de nós mesmos?

Krishnamurti: Porque, dependendo de vós mesmo, perdeis a sensibilidade; vos tornais endurecido, indiferente e "fechado". Viver sem dependência, ultrapassar a dependência, não significa tornar-se dependente de si próprio. Pode a mente enfrentar aquele vazio e com ele viver, sem fugir em direção alguma?

Interrogante: Eu enlouqueceria, só de pensar em viver com ele para sempre.

Krishnamurti: Todo movimento para nos afastarmos desse vazio é uma fuga. E essa fuga de uma coisa, essa fuga de "o que é" é medo. O medo é a fuga a alguma coisa. "O que é" não é o medo, a fuga é que é o medo, e esta fuga é que poderá enlouquecer-vos, e não o próprio vazio. Que é, pois, esse vazio, essa solidão? Como surge ele? Ele surge, decerto, por causa da medição e comparação. Comparo-me com o santo, o Mestre, o grande músico, o erudito, o homem que se "realizou". Nessa comparação, vejo-me incompleto, insuficiente; não tenho talento, sou inferior, não me "realizei"; eu não sou, e aquele homem é. Assim, em conseqüência do medir e comparar, vem-nos o horrível sentimento de vacuidade, de sermos "nada". E a fuga a esse vácuo é medo. E o medo nos impede de compreender esse abismo sem fundo. É uma neurose que de si própria se nutre. E, também, a medida, a comparação, é a essência mesma da dependência. Eis-nos, pois, de volta à dependência; um círculo vicioso.

Interrogante: Percorremos uma longa distância nesta nossa palestra, e as coisas se tornaram mais claras. Há dependência; é possível não dependermos? Sim, acho que é possível. Em seguida o medo; é possível não fugirmos de maneira nenhuma ao vazio, isto é, não fugirmos por medo? Sim, creio-o possível. Isso significa que ficamos com o vazio. E, então, possível enfrentar esse vazio, já que deixamos de fugir dele por medo? Sim, creio-o possível. E, por último, é possível não medir, não comparar? Porque, se chegamos até este ponto - e acho que chegamos - resta-nos então, unicamente, o vazio, e vemos que ele é o resultado de comparação. E vemos, também, que a dependência e o medo provêm desse vazio. Temos, pois, a comparação, o vazio, o medo, a dependência. Posso realmente viver uma vida isenta de comparação, de medida?

Krishnamurti: Naturalmente, tendes de tirar medidas para colocar um tapete no soalho!

Interrogante: Sim. Quero dizer: Posso viver sem comparação psicológica?

Krishnamurti: Sabeis o que significa viver sem comparação psicológica, quando em toda a vossa vida fostes condicionado para comparar - na escola, nos jogos, na universidade, no escritório? Tudo é comparação. Viver sem comparação! Sabeis o que isso significa? Significa não dependermos de outros nem de nós mesmos, não há buscar nem indagar; por conseguinte, significa - amar. O amor desconhece a comparação e, portanto, o amor desconhece o medo. O amor não tem consciência de si próprio como "amor"; porque a palavra não é a coisa.

(1) Calçada para automóveis, nos terrenos baldios de uma propriedade. - (N. do T.).

***
Interrogante: Li muito de filosofia, psicologia, religião e política, matérias essas que, em maior ou menor grau, aludem às relações humanas. Li também vossos livros, que se ocupam com o pensamento e as idéias e, por alguma razão, me sinto enfarado de tudo isso. Estive nadando num oceano de palavras, e em toda parte aonde vou só se me oferecem mais palavras e ações derivadas dessas palavras: conselhos, exortações, promessas, teorias, análises, remédios. Naturalmente, tudo isso deve ser posto de parte; vós mesmo o fizestes, mas, para a maioria dos que vos têm lido e ouvido, o que dizeis são só palavras. Deve haver pessoas para as quais o que dizeis representa algo mais do que palavras, uma realidade absoluta, mas refiro-me aos demais. Eu gostaria de ultrapassar as palavras, ultrapassar a idéia, para viver em relação total com todas as coisas. Pois, afinal de contas, essa relação é vida. Tendes dito que cada um deve ser mestre e discípulo de si próprio. É-me possível viver com toda a simplicidade, sem princípios, crenças, e ideais? Posso viver livremente, sabendo que sou escravo do mundo? As crises não nos batem à porta antes de entrarem, os desafios da vida de cada dia surgem antes de os pressentirmos. Sabendo isso, tendo-me visto tantas vezes a braços com esses desafios, a perseguir fantasmas, pergunto-me a mim mesmo como posso viver corretamente e com amor, clareza e alegria não forçada. Não quero saber como viver, porém viver; o "como" nega o próprio viver real. A nobreza da vida não consiste em praticar nobreza.

Krishnamurti: Após dizerdes tudo isso, onde vos achais? Desejais realmente viver com felicidade e amor? Se o desejais, onde o problema?

Interrogante: Eu o desejo deveras, mas isso não me leva a parte alguma. Há anos que desejo viver dessa maneira, mas não posso.

Krishnamurti: Portanto, embora negueis o ideal, a crença, a diretiva, estais, com muita sutileza e de maneira indireta, perguntando a mesma coisa que todos perguntam; é o conflito entre "o que é" e o que "deveria ser".

Interrogante: Mesmo tirando-se o que deveria ser, vejo que "o que é" é horrível. Enganar a mim mesmo, para não vê-lo, seria muito pior ainda.

Krishnamurti: Ver "o que é" é ver o universo, e rejeitar "o que é" é a origem do conflito. A beleza do universo está em "o que é"; e viver com "o que é", sem esforço, é virtude.

Interrogante: "O que é" inclui também a confusão, a violência, toda espécie de aberração humana. Viver com "o que é" é o que chamais virtude. Mas isso não é insensibilidade e insânia? A perfeição não consiste simplesmente em abandonar todos os ideais! A própria vida exige que eu a viva com beleza, como a águia nos ares; viver o milagre da vida, carecendo da beleza total, é inaceitável.

Krishnamurti: Então, vivei-o!

Interrogante: Não posso.

Krishnamurti: Se não podeis, vivei então em confusão; não batalheis contra ela. Conhecendo toda a aflição que ela traz, vivei com ela, isto é, com o que é. E viver com "o que é", sem conflito, liberta-nos dele.

Interrogante: Quereis dizer que nosso único defeito é sermos autocríticos?

Krishnamurti: Não, de modo nenhum. Não sois suficientemente crítico. Não ides mais longe em vossa autocrítica. A própria entidade que critica precisa ser criticada, examinada. Se o exame é comparativo, feito de medida em punho, então esse padrão é o ideal. Se não há padrão nenhum - por outras palavras, se a mente não está sempre comparando e medindo - podeis observar "o que é", e então "o que é" já não é a mesma coisa.

Interrogante: Observo-me sem nenhum padrão e, no entanto, continuo a viver sem beleza.

Krishnamurti: Todo exame requer um padrão. Mas, é possível observar de maneira que só haja observação, ver, e nada mais - que só haja percepção, sem a entidade que percebe?

Interrogante: Que quereis dizer?

Krishnamurti: Há o ato de olhar. A aferição desse "olhar" é interferência, deformação do "olhar": não é olhar; ao contrário, é avaliação do "olhar"; são duas coisas tão diferentes como um pedaço de giz e um pedaço de queijo. Tendes percepção de vós mesmo, sem a deformação, apenas uma absoluta percepção de vós mesmo, tal como sois?

Interrogante: Tenho.

Krishnamurti: Vedes fealdade, nessa percepção?

Interrogante: Não há fealdade na percepção, porém na coisa percebida.

Krishnamurti: A maneira como percebeis é o que sois. A virtude está em olhar puramente, ou seja com atenção, sem a deformação produzida pela medida e a idéia. Viestes aqui a fim de perguntar como viver com beleza e amor. Olhar sem deformar é amor, e a ação dessa percepção é a ação da virtude. Essa clareza da percepção atuará constantemente no viver. Isso é viver como a águia nos ares; é a beleza viva, o amor vivo.

Viver Sem Temor

(Krishnamurti's Talks in America - New York City, 1954 - ICK, 1959 - esgotado)

4a. Conferência em Nova York

28 de maio de 1954

Como dizia na semana passada, estas palestras serão de todo inúteis se não soubermos escutar. Vejo algumas pessoas tomando notas, o que indica que não estão realmente escutando. Evidentemente, estes apontamentos são feitos para serem depois meditados; acredito, porém, que se pudermos pensar, todos juntos, sobre os nossos múltiplos problemas, enquanto aqui estamos escutando, isso terá muito mais valor do que o tomar notas ou comparar o que digo com aquilo que já se leu ou que já se ouviu dizer. Se vossa mente está ocupada com tomar notas ou com comparar o que ouvis com outra coisa, não estais realmente escutando, não achais? Não estais experimentando diretamente o que se está dizendo; e acho que é muito importante experimentarmos estas coisas diretamente. Experimentar diretamente o que se diz, não é compará-lo com o que se sabe. Se sabemos escutar, então o próprio ato de escutar, acho eu, é uma forma de libertação. Se a coisa que se está dizendo é verdadeira, e a escutamos sem comparação, sem tomar notas, sem oposição ou resistência, então essa própria ação de escutar tem efeito libertador, é o começo da libertação, porquanto põe em movimento um processo de libertação da mente, das coisas com que estamos onerados.
Assim, pois, em vez de tomardes notas, de comparardes o que se está dizendo com os livros que já lestes, ou de o rejeitardes como "oriental", e o excluirdes da vossa mente, deixai-me sugerir-vos, escuteis com vigilante passividade, o que é uma arte deveras difícil; e talvez então tenham estas palestras verdadeira utilidade. Não estamos a discutir uma filosofia ou um sistema de idéias, mas, sim, tentando descobrir e experimentar o modo de libertarmos a mente da sua própria limitação, porque este, parece-me, é o principal problema da nossa vida. Nossos pensamentos, nossas atividades, nosso saber, nossas crenças religiosas, são muito insignificantes, muito limitados. As idéias e as crenças podem ser, em si, de vital significação, nós as reduzimos, porém, às medidas da nossa mente, e uma vez que a mente - não importa de quem seja essa mente - uma vez que a mente é o centro do "eu", do "ego", ela é muito pequena e muito insignificante.
Visto estarmos sendo atacados por uma série de crises, raciais e individuais, religiosas e econômicas, acho importantíssimo sejamos capazes de enfrentar essas crises com a mente não limitada, não condicionada, não carregada de crenças religiosas, de dogmas, de conhecimentos prévios, etc; porque, como poderão ser resolvidos os problemas respectivos, por uma mente pequena, estreita, limitada? E, se alguma vez já pensamos nessas coisas, não se oferece à maioria de nós o problema de como libertar a mente da sua estreiteza, das suas limitações? Por certo, só com uma mente que esteja livre é possível atacar esses problemas de maneira nova, compreendê-los de um modo inteiramente novo; porque todo problema, ainda que pareça velho, é sempre novo. Não há problema velho. Só a mente é velha, e por isso, quando se encontra com o problema novo, ela reduz o novo aos termos do velho.
É possível, então, libertarmos a mente da sua própria pequenez, o que realmente significa libertá-la de sua atividade egocêntrica de aquisição, automelhoramento, do impulso a nos tornarmos algo que seja grande, nobre? Porque isso tudo indica um movimento do "eu", do "ego", não é verdade? E enquanto perdurar esse movimento, ele continuará, necessariamente, a gerar uma atividade egocêntrica. E é possível ficarmos livres desta atividade egocêntrica?
Não vos dirijo esta pergunta para com ela fazerdes um jogo intelectual, mas, sim, para investigardes a questão, pois, parece-me ser este o mais importante problema da nossa vida. Reduzimos a religião a meros ritos e crenças, e nossos deuses e disciplinas não nos levam à Realidade, mas tão-somente à respeitabilidade. Nossos deuses não têm, com efeito, significação nenhuma, e a religião se converteu num simples conjunto de crenças e rituais também sem significação. Sua influência é condicionadora, como qualquer outra influência organizada, não importa se comunista, cristã ou hinduísta. A influência do dogma, da crença, do ritual, é tirânica e limitante, porquanto ela condiciona a mente, tornando-a limitada, trivial. Estamos sendo desafiados por problemas imensos e os enfrentamos com as nossas mentes condicionadas, com o que tornamos estes vastos problemas estúpidos e superficiais, multiplicando desse modo os nossos problemas.
Não é pois muito importante que investiguemos, que compreendamos realmente e experimentemos por nós mesmos, a maneira pela qual a mente possa ser libertada de todas as influências impostas pela religião? Porque a religião organizada, evidentemente, não conduz à Realidade. Só pode surgir a Realidade, quando a mente é livre, quando a mente não está condicionada. E é possível não se pertencer a nenhum grupo ou organização religiosa, nenhuma igreja, e investigar sozinho o que é verdadeiro? Sem dúvida, a religião, tal como a conhecemos, é um "processo" de hipocrisia. Desde pequenos somos forçados a seguir um determinado padrão de pensamento, e a mente crê, no interesse de sua própria segurança, de sua própria proteção; mas a religião é coisa inteiramente diferente disso, não é verdade? É um estado em que pode manifestar-se a Realidade - Realidade, Verdade, Deus, ou o nome que preferirdes. Entretanto, quando a mente está condicionada, dentro do molde da crença, pode ela ser livre, alguma vez, para receber aquilo que é verdadeiro? Não é religião aquele estado mental em que o conhecido não existe, podendo assim o desconhecido manifestar-se? Porque, afinal de contas, os nossos deuses são "autoprojeções" nossas. Criamos os nossos deuses, seguimos ideais e crenças, porque nos dão satisfação, conforto e consolação. Mas, sem dúvida, nenhuma dessas coisas pode libertar a mente para descobrir a Realidade, e é por isso que considero muito importante que nos despojemos de todos esses condicionamentos, não num gesto supremo, mas justamente no começo, e investiguemos se a mente pode permanecer não corrompida.
Identicamente, acumulamos conhecimentos, na esperança de que nossa pequenina mente será ampliada e sua superficialidade superada, mercê da acumulação cada vez maior de erudição e saber. Mas pode o saber libertar a mente da sua mesquinhez? Possuímos um vasto cabedal de saber, científico e a outros respeitos, e, contudo, nossas mentes continuam mesquinhas. Apenas utilizamos este saber para nossos propósitos mesquinhos e para nos destruirmos mutuamente. O saber, pois, se torna um obstáculo, em vez de ser um "processo" libertador.
Não devemos estar cônscios de tudo isso - como somos influenciados pelo ambiente exterior, pelo saber e pela chamada religião? E há possibilidade de nos libertarmos, afinal, dessas limitações e condições, dessas compulsões impostas por autodeterminação, de modo que a mente permaneça não corrompida e seja, portanto, capaz de enfrentar a vida de maneira nova, momento por momento? Parece-me ser isso possível, desde que estejamos cônscios de todos estes problemas, sem lhes opormos nenhuma reação e sem nos deixarmos enredar neles. Uma crença ou um dogma, afinal de contas, é um meio de autoproteção, não é verdade? Achamos que, se não tivéssemos nenhum dogma, nenhuma crença, estaríamos perdidos; por conseguinte, o dogma, a crença, têm a função de nos proteger contra aquela solidão, contra o temor. Multiplicamos crenças e dogmas, para garantirmos a nossa segurança. Nossa busca, pois, não é da Realidade, da Verdade, mas de um meio de nos sentirmos satisfeitos e seguros. E não é importante que estejamos cônscios desse fato, simplesmente cônscios, sem lhe opormos reação? Não é importante percebamos como a mente está sempre em busca de sua própria segurança, na nacionalidade, nas crenças, nos ritos, e, por conseguinte, se fazendo mesquinha, estreita, limitada, e criando problemas? O que estou a dizer é um fato, não é uma invenção, uma aberração psicológica; é realmente o que está sucedendo dentro de cada um de nós. Queremos líderes, queremos alguém que nos diga o que devemos fazer. Como temos medo de estar sós, corremos para alguma espécie de abrigo, de refúgio, e, desse modo, a mente se torna mesquinha e os seus deuses, suas contrariedades, suas disciplinas, são igualmente mesquinhos. Se percebemos isso realmente, há um desafogo, uma libertação, sem que façamos nenhum esforço.
Parece-me que esta é que é a coisa importante, a única coisa importante: verificar a maneira de nos libertarmos do "ego", cujas atividades são sempre estreitas, limitadas, interesseiras. Quanto mais lutamos contra a limitação, tanto mais forte se torna a limitação; se a percebemos, porém, se estamos cônscios dela, e se sabemos escutar o que se diz, então esse próprio escutar nos porá em liberdade, de modo que poderemos olhar o problema de maneira nova - o que significa: ter a mente não corrompida. A dificuldade existente em tudo isso é que temos medo das conseqüências de largarmos o que temos na mão, de não pertencermos a nenhuma organização, de não nos chamarmos patriotas; temos medo de estar sós, de não termos nenhum ponto de apoio. Mas, para achardes o que é Real, precisais estar só, não achais? O mundo evidentemente está nas redes da ilusão, do ódio, do medo, com todos os respectivos absurdos e brutalidades; e, por certo, para se descobrir o que é verdadeiro, temos de sacudir tudo isso de nós, não achais? - o que realmente significa: estar só. Entretanto, ninguém pode estar só, mediante volição, por ato da vontade. É como reconhecer uma coisa que é falsa. Quando se percebe o falso, apresenta-se aquilo que é verdadeiro. Perceber o falso não é um ato de volição, mas cria sua ação própria. Acho que esta é a coisa verdadeiramente importante, pois o de que se necessita hoje em dia, não é mais saber, não são novas crenças, do comunista ou de outra ordem, mas indivíduos que sejam capazes de compreender todo este conflito, capazes de o perceberem com lucidez, com a mente não corrompida; indivíduos que, por essa razão, são uma luz para si mesmos. Não podeis ser luz para vós mesmos, se sois tão-somente um acessório da máquina social, pois isto tem muito pouca significação. Penso, a verdadeira revolução não é a revolução econômica, ou política, mas a revolução psicológica, profunda, que nos faz reconhecer o falso como falso, fazendo, assim, surgir o novo, o real, o verdadeiro. Vou responder a algumas perguntas, mas antes de começarmos a apreciá-las, parece-me importante averiguarmos o que é um problema. Um problema só existe quando lança raízes na mente. Quando uma questão lança raízes na mente, ela se torna um problema, e a mente tem então de resolver este problema; entretanto, como suas raízes estão na mente condicionada, o problema se torna insolúvel. E é possível não permitirmos que nenhuma questão se nos enraíze no espírito, dando-se-lhe atenção direta e imediata, assim que surge? Mas não podemos atender diretamente à questão, se a condenamos, se ficamos identificados com ela, se de algum modo a julgamos, porque o nosso julgamento, a nossa condenação, a nossa comparação, é produto do nosso condicionamento e, por conseqüência, torna o problema mais forte.
O importante, pois, é que consideremos qualquer problema sem condenação, sem compará-lo com outra coisa, e isso é muito difícil porque somos criados, desde a meninice, para comparar, julgar, avaliar, e, dessa maneira, criamos a dualidade, o conflito. Mas, é possível considerarmos o problema, qualquer que ele seja, sem deixarmos que ele se enraíze em nossa mente, isto é, sem o compararmos, julgarmos, condenarmos, sem nos identificarmos com ele?
O que estou dizendo não é difícil, se observardes o "processo" do vosso próprio pensar. Tendes um problema porque o deixastes enraizar-se e, para ficardes livre dele, ou procurais a sua solução, ou o condenais, ou o afastais de vós, pensando noutra coisa qualquer ou a fugir dele, o que só serve para torná-lo mais forte. Mas, se se pode examinar realmente o problema, sem tendência para condená-lo, sem tendência de identificação, então, por certo, o problema assume uma significação de todo diferente, não é exato?
Como dizíamos, o problema só existe quando aprofunda suas raízes em nossa mente; e a mente, que absorveu o problema, a mente, onde a semente do problema já criou raízes, é incapaz de o resolver, por mais que lute com ele. Para compreender o problema, a mente deve estar verdadeiramente tranqüila, e só e334stá ela tranqüila, quando não há tendência para a condenação, a identificação, ou a comparação. E quando a mente está tranqüila, pode então existir algum problema? O problema só existe porque estamos em confusão, e a confusão surge quando procuramos alguma espécie de solução para o problema, ou quando estamos seguindo algum sistema, ou "projetando" a sombra de algum dogma ou crença, ou quando estamos tolhidos pelo nosso saber. Se pudermos compreender, porém, o processo pelo qual a problema surge e deixarmos, por conseguinte, de condenar e de comparar, haverá então algum problema? É claro, não podeis responder, pois nunca experimentastes nenhuma destas coisas. O que estais acostumados a fazer é condenar, comparar, ou identificar-vos com o problema. E é dificílimo ficarmos livres desse "processo", porquanto só fomos preparados para comparar, e pensamos que pela comparação compreenderemos. Ora, por certo, a compreensão não pode vir pela comparação, pela prática de atividades de todo gênero, mas só quando a mente está muito tranqüila, não perturbada. Temos muito medo de uma mente que não esteja ocupada. A mente, porém, que só está ocupada é uma mente pequena, não importa se ocupada com a mais alta ciência, ou com as atividades corriqueiras da cozinha ou do emprego. Essa mente é incapaz de ser livre. Como estamos sempre ocupados, quando o problema surge somos incapazes de resolvê-lo, visto não compreendermos o processo integral do nosso pensar; e como não podemos resolver o problema, apelamos para os líderes, para os livros, para o saber, para a religião - tudo isso produto da nossa confusão e da confusão dos nossos guias. Assim, pois, ao apreciarmos estas perguntas, não pode haver nem "sim" nem "não". Não há resposta para a vida - só há viver; nós, porém, tornamos o viver um problema. No nosso viver não há alegria, não existe a verdadeira felicidade, que vem quando estamos desacompanhados, naquela liberdade onde - e só nela - pode despontar a Realidade.

Pergunta: Como se pode alcançar a paz exterior, permanente?

Krishnamurti: Pensais que a paz é uma coisa que se alcança, que se obtém, como um resultado, uma recompensa? Ou a paz nasce quando compreendemos os vários fatores produtivos de perturbação? É como um homem que está cheio de ódio, desejar amor. Poderá ele "praticar" o amor; isso, porém, nada significa. Se compreendemos integralmente o processo do ódio e do amor, então, talvez, possa nascer o amor.
Mas, como deveis saber, a dificuldade está em que desejamos encontrar a paz, embora sejamos violentos. Queremos encontrar o amor, enquanto estamos semeando o antagonismo e o ódio. Quando há temor em nossos corações, nós, sem compreendermos esse temor, sem compreendermos o que significa esta perturbação, fugimos dela, a fim de acharmos a paz e, por isso, existe a dualidade em nós. O problema, pois, não é de como alcançar a paz, mas, sim, de saber o que é que nos está impedindo de compreender as causas geradoras da perturbação, do caos, do sofrimento, da luta, da dor, existentes em nós e fora de nós. Por certo, se pudermos compreendê-las, haverá paz e não teremos de procurá-la. Se buscamos a paz, estamos fugindo do que é. Na compreensão do que é, do Real, há paz.
Vede, por favor, que isto não é uma teoria. Se realmente examinarmos este problema do porque a mente está perturbada, e se o compreendermos, então, sem gerarmos nenhuma "ação esquizofrênica", nenhum processo dual, nenhum conflito interior, encontraremos a paz. A paz não é resultado da disciplina; a paz de espírito não se realiza por via da compulsão ou do exercício, sob qualquer forma, porque isso impõe uma limitação à mente. A mente pequena não pode ter a paz. A mente pequena, que pratica várias formas de disciplina, que procura a paz, jamais a encontrará. Poderá achar alguma espécie de consolação, de satisfação, mas isso não é a paz.
O importante, pois, é que se compreenda por que razão a mente está sujeita a ser perturbada. Que é esta perturbação? Basicamente, fundamentalmente, não surge ela quando existe o impulso constante para sermos alguma coisa, o desejo de resultado, o desejo de automelhoramento, o desejo de realizar uma certa ação nobre? Enquanto o indivíduo estiver sendo impelido pelo espírito de competição, pela ambição, tem de haver conflito. Sem começarmos com o que está perto, queremos chegar longe; mas só podemos ir longe, se começarmos com o que está muito perto de nós. E começar com o que está perto significa estar libertado da ambição, do desejo de ser algo, do desejo de ser bem sucedido na vida, célebre, famoso... uma dúzia de coisas, todas denunciando o "eu", o "ego".
Enquanto o "ego" existir, tem de haver perturbação; e se o "ego" busca a paz, a sua paz é o resultado, o oposto de uma perturbação e, por conseguinte, não é paz, absolutamente. Se se perceber bem isso, se não ficarmos simplesmente a escutar, mas também experimentando, então a paz surgirá. Mas, para tanto, se requer muito percebimento, muita vigilância, uma vigilância em que não haja escolha de espécie alguma; porque, se escolheis, estais então de novo imerso no processo de adquirir, de alcançar. O que é importante, sem, dúvida, não é que se procure a paz, que se ande atrás de swamis e iogues, dos instrutores à moda oriental, mas que descubramos por nós mesmos como a nossa mente está funcionando e como somos ambiciosos. Podeis não ser ambicioso pessoalmente, mas podeis ser ambicioso no interesse de um grupo, de uma nação, do partido a que pertenceis, ou de uma idéia. Tendo sido mal-sucedidos neste mundo, quereis ser bem-sucedidos noutro mundo. Assim, pois, enquanto existir qualquer movimento da parte do "eu", tem de haver perturbação, e nunca haverá paz.

***
Pergunta: Sinto-me atraído pela vossa filosofia, mas se eu fosse segui-la teria de desligar-me da minha igreja. Que ofereceis em troca?

Krishnamurti: Seguir outra pessoa é um mal. Escutai isso, por favor. Seguir um outro é uma coisa má, porque gera a autoridade, o temor, a imitação. E, quando seguis, nunca encontrareis outra coisa senão aquilo que quereis encontrar, ou seja, a vossa própria satisfação. O que eu digo não é filosofia. O que tentamos fazer é, com efeito, descobrir, com nosso próprio percebimento, e processo do nosso "eu". Para descobrirmos o que e verdadeiro, temos de discernir o que é ilusório e o que é falso. Não podeis ser guiado para descobrir. Se sois guiado, não há descobrimento. Só há descobrimento quando a mente está muito tranqüila, quando não está exigindo, pedindo, quando não tem medo.
Temos medo, porém. Por isso, endeusamos os guias, por isso temos igrejas, e sacerdotes, e toda a coleção de absurdos da moderna civilização. Sentindo medo, queremos fugir dele, abrigar-nos num refúgio, e por isso pertencemos a alguma coisa.
Não vos estou pedindo que abandoneis a vossa igreja, nem que pertençais a alguma igreja. Para mim, tudo isso sãoá atividades infantis, que nada significam. Assim como o nacionalismo separa os homens e gera guerras, assim também as religiões, as igrejas, dividem os homens e geram antagonismo. Elas não conduzem à verdade. Embora todo o mundo diga que há muitos caminhos para a Verdade, não há caminho nenhum para a Verdade. É à mente que é livre, à mente que está só, à mente não corrompida, não influenciada - é só à esta mente que a Verdade se manifesta; esta mente que, com efeito, é uma mente sem medo.
Por conseguinte, nada se pode oferecer a uma pessoa que quer sair de uma gaiola para entrar noutra. Não nos interessa nenhuma dessas gaiolas, mas, tão só, a compreensão de nós mesmos. Não estamos na senda da compreensão simplesmente quando estamos livres de uma determinada igreja, de uma determinada organização, nacionalidade ou crença, mas só quando somos totalmente livres, sem medo - e só então a mente pode receber aquilo que é eterno, atemporal. E parece-me só essa mente pode resolver o problema atual, e não a mente que se está tornando mais religiosa - o que significa: mais entrincheirada num determinado dogma - ou que está seguindo um determinado sistema de pensamento. Esta mente não é religiosa. A mente verdadeiramente religiosa é aquela que é livre e que, sendo livre, está tranqüila, serena, de modo que a Realidade pode manifestar-se. E aquela Realidade, criando sua ação própria, resolverá os problemas do mundo, que não podem ser resolvidos pela mente que está carregada de saber, ou a mente que acumula experiência, porque o saber, a experiência, é o resultado de nosso peculiar condicionamento.
Ao compreenderdes tudo isso, não só intelectualmente, verbalmente, mas experimentando-o, vereis então que não pertenceis mais a coisa alguma, porque sois um ente humano total, com pleno conhecimento de si mesmo; por conseguinte, nunca há perturbação, e sim só aquela paz de espírito em que a Realidade pode manifestar-se.

Artigo

Todos os Trabalhos Publicados de Krishnamurti 1933-1986

Há anos, a KFT - Krishnamurti Foundation Trust vem publicando o CD-ROM intitulado The Krishnamurti Text Collection - The Complete Published Works 1933-1986 que, como o próprio subtítulo indica, contém todos os trabalhos de Krishnamurti publicados no período 1933-1986, seja na forma de livro, áudio ou vídeo, totalizando 2662 textos.

O CD-ROM, ainda que traga apenas texto, é uma fonte de consulta inestimável, pois contém um poderoso mecanismo de busca por palavras-chave que permite realizar uma eficiente pesquisa do seu conteúdo.

Recentemente aquela Fundação anunciou que iria disponibilizar a maior parte do material do CD-ROM no seu site, para consultas online, conforme se pode ver aqui:

"Also, please be aware that the majority of this content will be available on a free website, beginning mid to late 2008"

www.kfoundation.org.uk/acatalog/CD_ROM.html

Esta nos pareceu ser uma das notícias mais alvissareiras para a divulgação dos ensinamentos, logo, a ICK, imbuída do mesmo espírito, está se propondo a traduzir todo o CD-ROM para o português e publicar o material no seu site, a exemplo do que decidiu fazer a KFT.

Contamos hoje com um bom número de tradutores voluntários que poderão incumbir-se do trabalho e estamos conscientes da grandiosidade de que ele se reveste, mas achamos que com persistência e determinação poderemos oferecer esta grande obra ao público brasileiro e lusófono do exterior.

Trataremos agora de obter a necessária concordância da KFT e esperamos logo trazer notícias do início dos trabalhos.

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